2 de outubro de 2011

Liberdade para escolher uma escola vai inspirar-se nos EUA e Reino Unido

Nos próximos anos Portugal deverá juntar-se ao estrito lote de países que dão aos pais as condições para escolher a escola que querem para os filhos. Há vários modelos em estudo. E há riscos, alertam especialistas.
02.10.2011 - 18:59 Por Clara Viana

Não se sabe ainda quando, nem de que forma, mas é quase certo que Portugal venha a figurar a prazo entre o pequeno lote de países em que os pais têm alegadamente a liberdade e as condições para escolher a escola que querem para os seus filhos. A liberdade de escolha em educação está consignada no programa do Governo PSD-CDS e já foi assumida pelo ministro Nuno Crato como um dos objectivos do seu mandato. Ao PÚBLICO o Ministério da Educação e Ciência confirmou que, neste caminho, "os sistemas americano e inglês são o principal referencial".

Nos Estados Unidos, desde o início dos anos 1990, a liberdade de escolha tem sido propiciada através de programas de cheque-ensino e da constituição de escolas particulares financiadas pelo Estado, as chamadas charter schools (escolas com contrato). É uma experiência ainda minoritária.

No Reino Unido, o Governo conservador de David Cameron prometeu uma "revolução na educação" que, a ser concretizada, transformará as escolas em parcerias público-privadas (foram todas exortadas a seguir este caminho), as quais conviverão com outras privadas que estão a ser criadas por grupos de pais, professores ou empresas do ramo e que são financiadas pelo Estado.

No essencial, os defensores destas opções consideram que se devolve assim às famílias a possibilidade de decidirem onde é aplicado o dinheiro pago pelos contribuintes, institui-se a concorrência entre escolas e força-se as escolas públicas a mudar. O que, no conjunto, contribuirá para o aumento da qualidade do ensino, para a diferenciação das escolas e, deste modo, para uma resposta mais adequada às diferentes necessidades dos alunos. Alguns estudos recentes elaborados por entidades independentes dão conta, contudo, de que os resultados estão muito aquém das expectativas.

Numa entrevista recente à RTP, Nuno Crato considerou que o programa de cheque-ensino "faz todo o sentido do ponto de vista racional e da liberdade económica", mas ressalvou que existem ainda "muito poucas" experiências internacionais neste âmbito. "Há diversas possibilidades de modelo. Estamos a estudar a experiência internacional para determinar qual será a melhor opção para Portugal", precisou ao PÚBLICO o gabinete de imprensa do ministério.

"Ao nível dos instrumentos de liberdade de escolha, Portugal não fica atrás dos EUA, Suécia ou Reino Unido. A questão é que estes instrumentos jurídicos não têm sido utilizados em todo o seu potencial", contrapõe o director executivo da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queiroz e Melo. Em Portugal, o Estado já apoia metade das escolas privadas existentes, embora com graus de financiamento diferentes.

Mais contratos de associação

Queiroz e Melo estabelece os seguintes paralelismos: os contratos simples, através dos quais o Estado paga uma parte das propinas às famílias que optem pelo particular, desde que tenham um rendimento per capita inferior a cerca de 541 euros, "são uma forma de cheque-ensino". Já os 92 colégios com contratos de associação são "uma forma de charter schools". Estes colégios são financiados pelo Estado para garantir ensino gratuito em zonas onde a oferta pública é escassa ou inexistente.

Quanto à liberdade entre escolas públicas, acrescenta Queiroz e Melo, "basta estabelecer para o ensino básico a possibilidade de escolha que já existe na lei para o secundário", onde se pode escolher a escola em função dos respectivos cursos e ofertas específicas e não tanto pela área de residência.

Também Michael Seufert, deputado do CDS, o partido que mais se distinguiu na defesa do cheque-ensino, considera que o aprofundamento da liberdade de escolha em Portugal passa, em grande medida, pela expansão dos contratos de associação com colégios e dos contratos de autonomia nas escolas públicas e, claro, por "permitir liberdade de escolha dentro do sistema estatal".

Paulo Guinote, professor do ensino básico, que escreveu um artigo sobre o tema para o anuário da Fundação Francisco Manuel dos Santos a publicar este mês, não se opõe à introdução de programas de cheque-ensino direccionados para grupos específicos, como tem sido feito nos EUA. Sustenta que "são os mais eficazes" e que não introduzirão mais desigualdades, como aconteceria com um programa universal, com um valor padrão, que acabaria por beneficiar sobretudo os agregados com mais rendimentos.Quanto a uma liberalização da iniciativa privada, através da constituição de equivalentes a charter schools, alerta que esta "deverá ser colocada em prática para promover projectos alternativos e não para apoiar financeiramente grupos empresariais com ligações antigas ou actuais ao aparato político-administrativo do ministério, como acontece com o grupo GPS". Este grupo é o maior do ensino particular não superior e entre os seus responsáveis têm figurado nomes sonantes do PSD e PS.

"Não interessa de todo substituir um monopólio estatal por um privado. Aí sim, o Estado regulador deve actuar como garante da liberdade, garantindo que os alunos e seus pais mantêm uma efectiva possibilidade de escolha", defende Francisco Vieira de Sousa, do Fórum para a Liberdade de Educação. Sustenta, aliás, que, embora seja "um bem em si mesmo, a liberdade de escolha implica um conjunto de "pré-condições", sem as quais se pode tornar perniciosa". "O reforço do papel regularizador e fiscalizador do Estado" é uma delas, assim como a existência de "uma informação fiável e disseminada sobre a realidade de cada escola" e de "uma ampla liberdade e autonomia" destas, já que "não há liberdade de escolha num sistema de ensino uniforme".

Impactos reduzidos

Inquéritos realizados junto de pais nos EUA e Suécia dão conta de um elevado grau de satisfação, apesar de estudos recentes apontarem para um impacto próximo do zero no que respeita aos benefícios. Uma investigação da Universidade de Stanford revelou, por exemplo, que 37% dos alunos que frequentam as charter schools têm resultados significativamente piores do que os seus pares das escolas públicas e que para 46% não existem diferenças significativas. Nos EUA existem hoje cerca de cinco mil charter schools, o que representa não mais do que de 1,5% do sistema educativo americano. São frequentadas por cerca de 1,4 milhões dos mais de 45 milhões de estudantes norte-americanos.

Os programas de cheque-ensino abrangem apenas cerca de 190 mil. Segundo um estudo do Center on Education Policy, divulgado em Julho passado, os resultados dos estudantes que os utilizaram para frequentar escolas privadas é similar aos que se mantiveram nas escolas públicas.

Na Suécia, a Agência Nacional de Educação constatou que, com a possibilidade de liberdade de escolha, se registou um aumento da competição entre escolas públicas e privadas com vista à obtenção de melhores resultados, mas que este efeito entrou em declínio com o tempo. Ali todos os alunos têm, desde 1992, financiamento garantido do Estado, caso optem por mudar para o particular. Actualmente, cerca de 40% por dos alunos do ensino secundário frequentam escolas particulares com autonomia também nos currículos, as chamadas free schools. Existem à volta de 1060.

Ponto de partida em Portugal: existe uma "incrível e injustíssima desigualdade social na escola dita "pública" actual", denuncia Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica do Porto. Mais do que tudo, diz, é preciso acabar com ela.

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